Trechos do artigo “Lápis e papel
na mão”, de Fausto Wolff, publicado pelo Jornal do Brasil em 18/01/2007, no
Caderno B.
Não são muitos - felizmente - os
leitores que escrevem dizendo que o socialismo não deu certo nem no Haiti, ou
que Marx está superado, como se alguma
vez sua filosofia humanista houvesse sido posta em prática integralmente. A
essência do marxismo está contida numa famosa declaração de 1845, extraída de
seus textos: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras. A
questão é modificá-lo”.
Isso significa que, para Marx,
todos os problemas nasciam do modo como a sociedade era organizada. Só através
da justiça social o homem terá condições de ser feliz. Até hoje ninguém me
provou que um homem realmente inteligente pode se preocupar com a futura
fortuna dos seus bisnetos em vez de preocupar-se em melhorar a si mesmo como
ser humano e assim melhorar o mundo. O Manifesto diz, em seu final: “Os
proletários não têm nada a perder, além dos seus grilhões, e têm um mundo a
conquistar. Trabalhadores de todos os países, uni-vos!“.
A Essência do cristianismo, de
Hegel, foi o livro que mais influenciou o jovem Marx. O deus que Feuerbach
manteve numa formulação praticamente existencialista não era mais do que a
essência do próprio homem: abstratamente e falsamente “objetificada” e então
cultuada. O próximo estágio deveria ser, portanto, substituir o amor do homem
por Deus pelo amor do homem pelo homem.
Um homem que ama a si próprio e
aos semelhantes já é, naturalmente, um cristão, sem necessariamente acreditar
em qualquer Deus. “Não é a consciência
que determina a existência; é a existência que determina a consciência”,
escreveu Marx. Um homem ignorante abandonado pela sociedade só poderá decidir
entre a subordinação escrava e o crime.
Para Marx, o homem é moldado pela
sociedade. Embora negasse a religião ele mesmo, jamais desconsiderou a
qualidade dos sentimentos religiosos. Ironicamente, a vigorosa vida que existe
dentro do marxismo, e especialmente a do marxismo-cristão do século 20, estava
ruindo, pois os teólogos da Libertação perderam a guerra contra o clero
evangélico-vigarista do estilo Igreja Redentor...
...Quando o lucro desculpa tudo, tudo é possível. As distinções de
classe se tornam cada dia mais visíveis: os ricos, uma pequena classe média, um
bolsão de pobreza e ignorância e outro de miséria física e mental. Os dois
últimos blocos não pensam, são como personagens e assistentes do Big Brother.
Votarão eternamente em Lula, pois não votam num nome, mas numa imagem na qual
se vêem refletidos. Com dinheiro e armas é fácil para os algozes negarem que o
trabalho de um homem produz um valor superior às suas necessidades.
O excesso (ou surplus) se
transforma em capital para os proprietários da produção. Marx acreditava que um
camponês, dono de sua terra, ao final do dia podia decidir se trabalharia uma
hora a mais e se a dor na costas compensaria o lucro. O operário na fábrica não
tem essa escolha. O diagnóstico de Marx
é o de que o sistema capitalista não é, de modo algum, natural para seres
humanos. Nele, o homem é um ser alienado da natureza e de si mesmo. Sente-se à
parte do seu trabalho, porque não pode contribuir, com ele, para a comunidade.
Ele é apartado de si mesmo, pois, embora trabalhe, não tem acesso aos
resultados do próprio trabalho.
Uma das grandes falácias sobre o marxismo é que ele não dá suficiente
importância à vida interior dos indivíduos. Ora, é somente quando se sente
livre que o homem constrói sua individualidade e se torna senhor do seu
destino. Só se consegue isso no capitalismo através da exploração, do roubo e
da loteria esportiva, outra forma de roubo...
... Não há momento melhor para reconsiderar os
argumentos de Marx à luz dos nossos tempos, à luz de métodos mais precisos e
refinados de análise moderna. É preciso entender a hora de entregar alguns
anéis para não perder os dedos.