O GRANDE IRMÃO MAIS PRESENTE DO QUE NUNCA
Resolvi publicar o texto "OS
GRANDES IRMÃOS" no meu blog depois que vi duas reportagens na TV.
A primeira, na TV Brasil, um
jornalista falava sobre o aparato tecnológico de comunicação dos EUA que pode
gravar qualquer conversa feita por meio eletrônico no mundo. Além de comentar
que é um caminho sem volta, o jornalista disse que este mesmo aparato está
sendo usado para espionar empresas que concorrem com empresas americanas na
competição por mercado.
A outra reportagem é do jornal
HOJE, da Rede Globo, onde a jornalista
mostra câmeras vigiando os trabalhadores nas empresas, os funcionários vigiados
são entrevistados e dão depoimentos conformistas e no fim, a matéria sugere que
é uma “tendência” que veio para ficar.
O texto abaixo comenta o livro
1984, foi escrito em 2002. Uma década depois, a realidade que o autor do texto
fala e imagina, já é uma realidade absoluta.
OS GRANDES IRMÃOS*
George Orwell, em 1984, atirou no
que viu e acertou no que não viu. Muitas de suas previsões não se concretizaram
exatamente até o ano de 1984 mas aos poucos os limites da vida privada se
reduziram de uma forma que ele, logo após a Segunda Guerra Mundial, não podia
prever: videovigilância na rua ou por satélite, internet, telefone celular,
decifração do código genético e tantas outras novidades que irrompem a todo
momento.
Aquilo que se passava, no romance
de Orwell, numa Londres atravancada por ruínas de guerras passadas, sob
vigilância do chefão do partido único, o Big Brother, insinuou-se agora na vida
ordinária das pessoas, e atende pelo nome de progresso tecnológico. Toda
tecnologia nova tem dois gumes. Pode ser usada para o bem ou para o mal.
Incidentalmente as grandes invenções sempre se apresentam como ferramentas para
facilitar a vida. O outro lado da moeda mostra que no trabalho, na rua, nas
grandes superfícies, todo mundo vigia todo mundo.
Dois terços das grandes empresas
americanas efetuam uma forma ou outra de vigilância eletrônica sobre seu
pessoal. EUA, Inglaterra, Canadá e Austrália estão estabelecendo as bases de
dados nacionais sobre o DNA dos criminosos.
Legais ou não, os meios de
espionagem se tornam diabolicamente sofisticados e muito facilitados. Dia virá
em que câmeras de vídeo do tamanho de uma abelha voarão numa peça para se fixar
na parede ou no teto a fim registrar o que se passa ao redor. A baixa do preço
e a miniaturização das câmeras (semelhantes à que o repórter Tim Lopes usava
quando foi surpreendido tentando documentar o comércio de drogas nos bailes
funk) permitirão em breve recorrer à videovigilância quase por toda parte e
todo tempo. Do local de trabalho as pessoas poderão vigiar, na tela de seu
computador, como se comportam os filhos em casa.
Cada vantagem induzida pela
tecnologia - ruas seguras, comunicações baratas, lazer diversificado, serviços
públicos eficazes, compras facilitadas - justifica a entrega de uma parcela de
informação individual suplementar.
O físico inglês Duncan Campbell e
grupos defensores das liberdades civis denunciam a interceptação, por parte da
Agência Nacional de Segurança americana, de telefonemas, faxes e correios
eletrônicos no exterior. Não apenas os EUA, mas dezenas de outros países
possuem capacidade de interceptar ''qualquer tipo moderno de comunicação de alto
consumo''. Até mesmo eleição eletrônica, com a qual os cidadãos votam por um
sistema protegido por código, é sujeita a fraude.
O local de trabalho é o mais
suscetível de ser espionado. A tentação da espionagem é grande entre empresas
(prejuízo médio de 6% por causa de fraudes internas) que utilizam cada vez mais
câmeras de vigilância, exames do conteúdo dos computadores, registros das
chamadas telefônicas e, em alguns casos, detetives particulares. No Japão
algumas empresas dispõem de banheiros que realizam automaticamente testes de
detecção de entorpecente e filmam pessoas suspeitas de se drogar. O anti-herói
de 1984 trabalhava no Ministério da Verdade num mundo regido contraditoriamente
por três slogans: a guerra é a paz, a liberdade é a escravidão, a ignorância é
a força. O problema já era de linguagem e História, o que a rigor ainda
constitui a base da sociedade moderna. O requisitório de Orwell dizia respeito
a uma ditadura absoluta. Já o progresso tecnológico desabrido da atualidade se
realiza em países que se orgulham de suas democracias...
*Léo Schlafman, Jornalista.
Jornal Brasil - 04 de julho de 2002.
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